quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Meninas do Crack


Patrícia tem 20 anos. Está há dois anos reclusa na Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, onde aguarda julgamento por tráfico de entorpecentes.  Aos 15 entrou para o submundo das drogas, através do relacionamento com Marcão, um manda chuva da favela. Filha única entre quatro irmãos, pai desconhecido, mãe viciada, prostituída, Patrícia cresceu a esmolar pelas ruas. Não frequentou regularmente a escola, mas conseguiu se alfabetizar com certa facilidade.  O dinheiro da droga trouxe benefícios para todos em sua casa. Já nem se lembrava dos tempos de penúria, da falta absoluta, da miséria. Marcão lhe dava além da proteção, tudo o que ela precisava e queria: roupas, drogas, celular, dinheiro, som, até uma TV de 42 polegadas. A mãe sentia orgulho de sua filha ser mulher de bandido.Patrícia amava Marcão. Mandou gravar uma linda tatuagem com o nome do amante, Marcos, dentro de um coração vermelho, cercado de anjos, logo abaixo do pescoço, no cangote. Queria expressar seu amor para toda a vida. Patrícia não cabia em si de contentamento. Após alguns anos de relacionamento, descobrira-se grávida. Mais alguns meses e soube que era menino. Logo depois, Patrícia recebeu a terrível notícia. Em plena luz de um dia cheio de movimento, Marcão deixara a boca e se dirigia para casa. Vieram os motoqueiros. Tentou fugir, não deu. Quatorze disparos encerraram uma carreira mal começada, aos 26 anos de idade. Patrícia atirou-se sobre o corpo estendido. No desespero, o queria de volta, não podia ficar sem o amante e protetor. O que seria dela e do filho, ainda por nascer?Ao enterro compareceram as meninas do crack, adolescentes encarregadas de buscar pedras para usuários. As idades podem variar dos 13 aos 18. Foi assim que Marcão a conheceu.Patrícia estava no meio da fila, entre homens, esperando a vez. Descalça, usava short e sutiã sem blusa.  Era só o que possuía. Pele morena, cabelos compridos e lisos, certo ar rebelde, de moleca desafiadora.Na hora do enterro, confirmando o que Patrícia fingia não ver, lá estavam mais duas grávidas como ela, se dizendo namoradas do Marcão e outras mais, chorando a perda. A mãe do Marcão disse que cuidaria dos três bebês.O meu eu não dou.  Patrícia prosseguiu na tarefa de pegar pacotes de crack, levar para os traficantes, repor o dinheiro. O lucro mal dava para o mínimo, o leite, recebia do governo. Graças a uma disciplina férrea, Patrícia não consumia drogas. Sabia que, se o fizesse, terminaria por voltar à mendicância, como acontecia com outras meninas do crack, de crianças à tiracolo.  E agora? Seu irmão, viciado, roubara a feira do dia. Não tinha como repor. Desesperada, Patrícia arrumou a trouxinha do bebê a quem batizara de Marcos. Pelo menos assim a tatuagem não ficaria inútil. Levou para a casa da sogra. Adeus, meu bebê. Mamãe vai viajar, minha vida! Chorando, Patrícia entrou na delegacia: seu delegado me prenda, pelo amor de Deus. Na minha bolsa tem pedra, sou traficante, o Sr pode conferir. Por favor, não me deixe voltar, eu tenho um filhinho de seis meses, eles vão me matar e matar meu bebê. O delegado lavrou o flagrante e Patrícia, ré confessa, está há dois anos recolhida, ainda sem culpa formada.Essa é apenas uma de tantas histórias reais nessa comunidade, onde moram desocupados, onde impera o comércio do crack, cocaína, maconha. A droga chega, pequena multidão se forma, crianças e adolescentes aparecem, a droga traz dinheiro. Vejam aqueles barracos de pedaços podres de madeira, colados uns aos outros, sem ventilação, palafitas fincadas na maré, sob telhas de fibrocimento, calor e cheiro cloacal insuportáveis. A gata teve a ninhada na mesma cama onde agora se misturam a mãe, três crianças e cinco gatinhos. Como sair dessa? Seu delegado, me ajude!
EGD Alberto Bittencourt

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