Patrícia tem 20 anos. Está há dois anos reclusa na Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, onde aguarda julgamento por tráfico de entorpecentes. Aos 15 entrou para o submundo das drogas, através do relacionamento com Marcão, um manda chuva da favela. Filha única entre quatro irmãos, pai desconhecido, mãe viciada, prostituída, Patrícia cresceu a esmolar pelas ruas. Não frequentou regularmente a escola, mas conseguiu se alfabetizar com certa facilidade. O dinheiro da droga trouxe benefícios para todos em sua casa. Já nem se lembrava dos tempos de penúria, da falta absoluta, da miséria. Marcão lhe dava além da proteção, tudo o que ela precisava e queria: roupas, drogas, celular, dinheiro, som, até uma TV de 42 polegadas. A mãe sentia orgulho de sua filha ser mulher de bandido.Patrícia amava Marcão. Mandou gravar uma linda tatuagem com o nome do amante, Marcos, dentro de um coração vermelho, cercado de anjos, logo abaixo do pescoço, no cangote. Queria expressar seu amor para toda a vida. Patrícia não cabia em si de contentamento. Após alguns anos de relacionamento, descobrira-se grávida. Mais alguns meses e soube que era menino. Logo depois, Patrícia recebeu a terrível notícia. Em plena luz de um dia cheio de movimento, Marcão deixara a boca e se dirigia para casa. Vieram os motoqueiros. Tentou fugir, não deu. Quatorze disparos encerraram uma carreira mal começada, aos 26 anos de idade. Patrícia atirou-se sobre o corpo estendido. No desespero, o queria de volta, não podia ficar sem o amante e protetor. O que seria dela e do filho, ainda por nascer?Ao enterro compareceram as meninas do crack, adolescentes encarregadas de buscar pedras para usuários. As idades podem variar dos 13 aos 18. Foi assim que Marcão a conheceu.Patrícia estava no meio da fila, entre homens, esperando a vez. Descalça, usava short e sutiã sem blusa. Era só o que possuía. Pele morena, cabelos compridos e lisos, certo ar rebelde, de moleca desafiadora.Na hora do enterro, confirmando o que Patrícia fingia não ver, lá estavam mais duas grávidas como ela, se dizendo namoradas do Marcão e outras mais, chorando a perda. A mãe do Marcão disse que cuidaria dos três bebês.O meu eu não dou. Patrícia prosseguiu na tarefa de pegar pacotes de crack, levar para os traficantes, repor o dinheiro. O lucro mal dava para o mínimo, o leite, recebia do governo. Graças a uma disciplina férrea, Patrícia não consumia drogas. Sabia que, se o fizesse, terminaria por voltar à mendicância, como acontecia com outras meninas do crack, de crianças à tiracolo. E agora? Seu irmão, viciado, roubara a feira do dia. Não tinha como repor. Desesperada, Patrícia arrumou a trouxinha do bebê a quem batizara de Marcos. Pelo menos assim a tatuagem não ficaria inútil. Levou para a casa da sogra. Adeus, meu bebê. Mamãe vai viajar, minha vida! Chorando, Patrícia entrou na delegacia: seu delegado me prenda, pelo amor de Deus. Na minha bolsa tem pedra, sou traficante, o Sr pode conferir. Por favor, não me deixe voltar, eu tenho um filhinho de seis meses, eles vão me matar e matar meu bebê. O delegado lavrou o flagrante e Patrícia, ré confessa, está há dois anos recolhida, ainda sem culpa formada.Essa é apenas uma de tantas histórias reais nessa comunidade, onde moram desocupados, onde impera o comércio do crack, cocaína, maconha. A droga chega, pequena multidão se forma, crianças e adolescentes aparecem, a droga traz dinheiro. Vejam aqueles barracos de pedaços podres de madeira, colados uns aos outros, sem ventilação, palafitas fincadas na maré, sob telhas de fibrocimento, calor e cheiro cloacal insuportáveis. A gata teve a ninhada na mesma cama onde agora se misturam a mãe, três crianças e cinco gatinhos. Como sair dessa? Seu delegado, me ajude!
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